terça-feira, 24 de novembro de 2009

Manipulando a opinião pública.

É facílimo.

Parte-se de uma premissa empiricamente verificável: Todo mundo é bobo, mas acha que é super inteligente porque sabe ler (e nem precisa ler bem nem coisa que preste).

Como todo mundo é bobo, interpreta o texto pela chamada e jamais entende o que está sendo dito. Por conta disso, pode-se dizer a coisa mais absurda do mundo ao mesmo tempo em que não diz nada.

De modo simples, é a velha brincadeira de criança: “Que time é teu?”; “Tem culpa eu?”; “Jacaré, no seco, anda?”. Você não está dizendo nada demais ao mesmo tempo em que diz algo diferente. A pegadinha é como fica o som das palavras na frase inteira, dando uma ambigüidade à mensagem que está sendo transmitida.

Do mesmo jeito é a manipulação. A notícia não diz nada demais ou algo até banal. Mas do jeito como a coisa toda é colocada, dá a impressão de estar sendo dito algo a mais do que está sendo lido.

Exemplo prático. Veja a chamada abaixo:

Alcoolizado, motorista atropela e mata quatro crianças na Bahia.

A primeira pegadinha é: Com as palavras “alcoolizado”, “atropela” e “mata”, você provavelmente leu alcoolizado como sinônimo de “Bêbado feito um gambá”; e que o atropelamento e a morte são decorrências de um “Bêbado feito um gambá” estar dirigindo. Inclusive o verbo “atropelar” ao lado de “motorista” passa a idéia de intenção do motorista. Agora, pare e procure essa relação causal na chamada… É isso mesmo. Não está ali, de forma explícita. É coisa da sua cabeça.

Então o leitor, que é super inteligente para saber que toda chamada é sensacionalista, vai ler o corpo do texto e encontra o seguinte:

o motorista do carro, […], foi submetido ao exame de alcoolemia, que registrou a presença de 0,39 dg de álcool por litro de sangue.

Ah, agora sim. O leitor, que é super inteligente, confirmou além de qualquer dúvida. O cara estava totalmente alcoolizado com 0,39 dg de álcool por litro de sangue. É um psicopata por estar dirigindo. Bobinho que só, ele acha que essa conclusão não tem nada que ver com a idéia que a chamada (que ele tem certeza de ser sensacionalista – e, portanto, desconfiável) botou na cabeça dele.

Satisfeito de seus dotes intelectuais, ele entra na caixa de comentários para deixar o seu depoimento de quão absurdo é um motorista dirigir alcoolizado.

Mas pergunte, quanto é 0,39 dg de álcool por litro de sangue? Se ele souber que dg quer dizer decigrama já será um espanto.

Respondendo à pergunta. Antes do limite ser zero, o tolerável era até 0,1 mg/l de álcool no ar expelido ou 2 dg/l de álcool no sangue. Eu vou repetir… o limite mínimo era até 2 dg/l de álcool no sangue. O motorista foi encontrado com 0,39 dg/l. Estão entendendo ou não?!

Apenas para confirmar, vamos ler o que está no site “Educação para o trânsito” do Governo do Paraná.

Conseqüências Risco de Acidentes
Até 2 dg de álcool por litro de sangue não produz efeito aparente na maioria das pessoas.  

Aí vem a jogada da legislação, feita para controlar a população feito gado. Como o limite foi reduzido a zero, qualquer concentração pode ser declarada como “alcoolizado”.

Ao final, podemos identificar que a concentração de álcool no sangue do sujeito é incrivelmente baixa e não influenciou em nada o acidente, que provavelmente ocorreu por milhões de outras causas, talvez até pela má condição da pista, o que sabemos ser caso raro no Brasil.

Para vocês terem uma idéia, a versão da Polícia Rodoviária Federal é que as crianças estavam atravessando a rua quando foram atropeladas. Poderia até imaginar as condições de uma estrada na zona rural da Bahia, mas qual a diferença?

Façamos então um resumo da interpretação 1 e da 2.

1 – Motorista bêbado irresponsável e sem mãe atropela e mata quatro criancinhas;

2 – Motorista perde o controle do carro e quatro crianças acabam mortas em acidente.

A segunda versão é muito mais sem graça e não força ninguém a comentar a notícia. É muito melhor florear o negócio e instigar a idéia de que uma gota de álcool transforma alguém em um psicopata assassino com uma vontade incontrolável de dirigir carros e atropelar criancinhas. Melhor ainda se fizer o leitor dar “lição de moral” e virar fiscal dos outros.

E o melhor de tudo não é isso. O “melhor” é que se a matéria foi bem redigida (inclusive o meu post), o leitor leu tudo isso e está pensando na questão “álcool e direção” e cagando para as crianças que morreram.

Vai dizer que manipulação não é fácil?!

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