terça-feira, 29 de janeiro de 2008

E se fosse a pílula do Frei Galvão?

Sou adepto do ditado: In dubio contra Igreja.

É. Não é um ditado. Acabei de inventar... e não. Eu não sei latim.

Mas no Brasil é difícil seguir o ditado.

Atualmente está havendo um "debate" sobre distribuição de pílula do dia seguinte no carnaval em Pernambuco.

É tanta burrice junta sobre o assunto que acabo ficando com inveja e quero distribuir a minha burrice também. Então vou ponto por ponto.

Primeiro, Ministro que se preze deve dizer o seguinte: "Não concordo com a Igreja, mas ela tem o direito de buscar os seus (ou de terceiros) direitos". Criticar alguém pelo simples fato de querer entrar na Justiça parece atitude de um pateta que está com medo que revelem a estupidez da decisão que tomou.

Segundo, essa lenga lenga de que a Igreja não deve se meter em assuntos do Estado é uma estupidez sem tamanho. Se ela sofre as ações do Estado, ele pode se meter nos assuntos estatais tanto quanto qualquer Entidade, ONG ou cidadão. O mais espantoso é que esse tipo de argumentação pode (ou poderia) ser usado contra qualquer grupo. Imaginem abolicionistas ouvindo: "Associações contra a escravidão não devem se meter em assuntos do Estado. Se vocês não quiserem, que não comprem escravos, mas não venham com seus fundamentalismos dizer que o Estado não pode permitir e incentivar a escravidão". (Nesse momento você pode descobrir se o seu coleguinha é "politicamente correto", pois com certeza, ao ouvir isto, ele vai estar dizendo "mas também não é assim..."). Quer dizer que se o Estado resolver adotar a execução sumária de indivíduos, a Igreja deve ficar quieta? Vão dizer o quê? "Se a Igreja é contra a morte que seus seguidores não se matem"?

Terceiro, dizer que o Estado não deve seguir ditames religiosos, não quer dizer que ele deva incentivar o hedonismo. Queiram ou não, distribuir pílula de graça incentiva a prática de atos descuidados e eu não quero ter o meu dinheiro extorquido para comprar pílula pros outros. Quem quiser dar, que dê (se for mulher, pode ser para mim), mas que assuma os seus gastos.

Quarto (mais difícil), por que as pessoas não tentam entender como funciona a pílula do dia seguinte? Me lembro do colégio onde a "tia" ensinava que o espermatozóide pode sobreviver por 72 horas dentro do corpo da mulher, ou seja, a mulher pode engravidar mesmo que no momento do ato sexual o óvulo ainda não tenha sido liberado. E, pelo que recordo, atualmente, para a medicina, a gravidez só se inicia com a nidação do óvulo.

Depois de consultar uma instituição altamente confiável (Google), posso afirmar que a pílula do dia seguinte* funciona da seguinte maneira: Uma bomba de hormônios previne a mulher de liberar o óvulo ou previne o óvulo de se fixar no útero.

Então a Igreja já está errada sobre a pílula em metade dos casos. Se ela evita a saída do óvulo, não se inicia nem a discussão sobre aborto, porque não há nem fecundação.

O problema da Igreja é com a nidação. Para a Igreja, a vida começa com a fecundação, mas para a medicina o aborto só se configura após a gravidez (nidação do óvulo). Então entre a vida e o crime existe um interregno em que não há consenso entre a Igreja e a medicina (e o sistema jurídico vigente).

A Igreja quer defender o seu ponto, então prefere correr o risco de estar errada (não haver liberação do óvulo) do que de estar certa (fecundação sem nidação do óvulo). Não vejo nada de errado nisso.

A medicina (e a legislação) não vê problemas em administrar a pílula, pois em ambos os casos (ausência de liberação ou nidação do óvulo) não há crime de aborto.

Ou seja, a discussão ainda vai longe.

Mas é interessante lembrar que, muitos médicos temem as conseqüências da liberação das pílulas e recomendam somente o uso em casos eventuais como estupro e 'acidentes' com outros métodos contraceptivos, ou seja, a pílula é uma bomba de hormônios e não deve ser tomada como aspirina para curar ressaca.

Talvez o Ministro devesse levar isso em consideração ao distribuir gratuitamente pílulas do dia seguinte. E, mais importante, que diabos pílula do dia seguinte tem que ver com Saúde Pública? Gravidez agora é doença?

Entretanto, como não posso perder a oportunidade, também deixo a pergunta para a galera religiosa. E se a pílula do Frei Galvão previnir a gravidez, pode tomar?


* Existem pílulas abortivas (no sentido médico-legal), mas o funcionamento, até onde sei, é diferente da pílula do dia seguinte que será distribuída.

Um comentário:

Cristiana Passinato disse...

Tadinho do Santo Frei Galvão, que não tem nada com isso, ele inclusive, pela sua vida e obra, milagres e tudo mais, ao contrário, pedia, intercedia e dava pílulas que eram uma espécie de forma materializada da fé (pode ser agora tb acreditada que "O Segredo" que tá na moda, pq não?), em parte para mulheres que tinham dificuldades para engravidar e segurar a sua gravidez até o final.
Ou seja, foi cômico o paralelo, pq o Frei justamente era um Santo de milagres em parte da maternidade.
(risos)
Sobre a sua opinião, acho acertada, mas o ponto de vista religioso é reto, eles tb não podem ficar tendo um discurso a cada ministério e eles seguem ao Papa e ao Vaticano, é uma realidade.
Se a pílula do dia seguinte faz mal, é mais fácil pro Padre de uma determinada comunidade fale pra menina que acredita em Deus que vai ser pecado do que explicar tudo que vc explicou que faz mal por ser uma bomba hormonal, entende?
Pra massa é mais fácil dizer que não pode pq vai arder no fogo do inferno, e ela não comete atos promíscuos dando pra qq um e engravidando de todo garoto com quem transa além e querendo tomar a pílula do dia seguinte como se fosse aspirina, sim.
Pois é, as outras pílulas abortivas, tais como o Citotec, por exemplo, sim, elas são remédios para outros fins e que causam a interrupção da gravidez e expulsão do feto já formado. Perigosíssima por sinal.
Por causar vários danos, qualquer tipo de aborto induzido é desistimulado, acho que não é nenhum absurdo.
Agora, não acho que, por exemplo, a legalização do aborto venha a ser um estímulo para as jovens virem a engravidar e executá-lo, já que junto a legalização viria tb um estímulo ao programa de prevenção e educação para que não se fizesse o aborto, e os índices de abortos fossem mantidos baixos.
Seria, sim, uma forma de evitar toda essa quizumba e fazer o que inevitável seria, pois sabemos que a clandestinidade existe e se usa e assim podería-se controlar outros problemas, até muitas vezes mortes das que se desesperam e correm pra esse tipo de prática.

Um abraço,

Cristiana Passinato